sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Aula de navegação, os 26 meridianos


Como é do conhecimento das pessoas, o globo terrestre divide-se em meridianos horários, meridianos locais, meridianos dos navios e meridianos de merda, os chamados merdianos.
Os meridianos por sua vez classificam-se em semi meridianos, hepta meridianos e mili meridianos.
Se formos para o Sistema Internacional de Unidades, as sub divisões são outras, igualmente complexas.
O mais importante dos meridianos é o do navio, que passa mesmo por cima da roda do leme, embora possa trazer algumas dificuldades de interpretação adicionais.
Lembro-me que quando navegava no Sirius, o Capitão fazia questão de que a mudança de hora do meridiano fosse respeitada, o que levantava inúmeros problemas pois a cozinha ficava de um lado do meridiano e tinha portanto uma hora e a câmara de jantar ficava do outro bordo, com outra hora portanto.
O Cozinheiro e o Capitão nunca se entenderam quanto às horas das refeições, se era a hora de bombordo ou de estibordo, questão que parecendo comezinha, levantava discussões tremendas a bordo.
Quando o navio navegava de este a oeste, ou vice versa, o problema da cozinha não se punha, mas levantava-se o outro, que era as horas dos quartos, pois metade dos camarotes ficava avante, com uma hora, e os restantes à ré, com outra hora diferente.
Este problema era terrível, nunca acertando a tripulação com a hora de render os quartos.
Valia por vezes uma traineira, velha conhecida, que, quando passava ao lado, ilucidava o Capitão e a tripulação de qual hora devia seguir.
(continua)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Cabo Finisterre, o primeiro naufrágio


Desciamos lestos a Costa da Morte desde La Rochelle quando fomos abalroados por um arrastãozito Galego, mesmo ao largo de Finsterre.
Água aberta pela primeira vez na minha carreira de embarcadiço, a coisa estava preta, íamos ao fundo em menos de duas horitas.
Evacuação geral, cozinheiro também. Foi o diabo para o gajo largar um estufado de lulas que estava a apurar desde a Corunha, mas o Capitão, por fim, lá o convenceu que podia retomar o estufado depois de Corcubion.
Todos saltamos para as balsas, com um Mar de 3 metros e vento de SW força 5.
Azar dos camandros, a minha balsa estava rota, o ar perdia-se por um rasgão mesmo em cima da linha de água.
Felizmente o quite de emergência estava lá, com instruções e tudo. E tinha remendos tip top.
Li apressado as instruções, diziam para aplicar a cola em superficie limpa e seca. Limpa e seca, questionei, estes gajos ou são doidos ou são do benfica.
Ok, tivemos sorte, o tipo da traineira que nos viria a salvar em frente à Roca passava, por acaso, por aqueles lados e tirou-nos do mar, a mim e aos outros quatro da balsa e levou-nos até às Cyes, mas já aqui tivemos de fazer o resto da viagem a nado, o gajo era quilhado, a nado que nos fazia bem, dizia.

(Para a próxima vou ensinar-vos como a Terra está dividida 25 , ou serão 26?!, meridianos horários. Tenho aqui em casa um livro que explica isso muito bem)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Papua Nova Guiné


Tínhamos deixado o estreito de Malaca pela popa, navegávamos a 12 nós até Xangai quando o imediato se lembrou de ir a terra, fazer aguada, disse, embora eu desconfiasse que se tratava de uma certa indígena que ele conhecera nos bares de Singapura uns anos antes e que fazia ‘trotoir’ na Almirante Reis e numa certa Ilha ali para aqueles lados, conhecida por albergar o Tigre da Malásia, o Sandokan ele mesmo, e um tal Eanes, que viria depois a ser Presidente da Republica em Portugal.
Arriado o bote, seguiu nele o imediato e o cozinheiro, que era simultaneamente o tronhó de bordo, pois satisfazia a tripulação à vez com o rádio telegrafista, nas necessidades mais básicas entre o comer e a sesta.
Como demorassem, vi-me obrigado a ir a terra ver o que se passava, preocupado que estava com a demora.
E não é que estavam a ser cozinhados pelo feiticeiro da tribo, antropófago inveterado e reincidente, já me tinha comido dois tripulantes, que me lembre.
O curioso é que enquanto a tribo dançava efusivamente à volta do caldeirão com os meus dois tronhós lá dentro, a cada duas voltas, o feiticeiro dava uma porradona na cabeça ao meu cozinheiro com a colher de pau.
Ainda ouvi o chefe a ralhar com o seu feiticeiro, protestando contra as porradonas, que, no seu entender, estragavam a qualidade do guisado, ao que o feiticeiro lhe disse que o “…o sacana do tipo está farto de nos comer o molho…”
Era mesmo ele, o sacana comia-nos sempre a molhanga dos guisados e agora, no seu próprio guisado, fazia o mesmo.
Tive de fazer valer a minha melhor diplomacia para libertar aqueles dois ‘papagaios’, prometendo ao chefe que da próxima lerpa que fizesse na ilha não faria valer o truque ‘la paloma’ que tanto dinheiro me fizera ganhar, quer na escola náutica, quer nos longos serões lerpeiros por essas ilhas afora.

Naufrágio


Iamos nós em viagem de cabotagem de Lisboa para Viana quando, uma milha a oeste do Cabo da Roca, embatemos violentamente nuns recifes que por alí existem.
Agua aberta na casa das máquinas, mandei evacuar a embarcação, situação em que várias vezes me vi envolvido, até me chamavam o "bota pro fundo vascoso"
Eramos, já não me lembro bem, 20 homens para três escaleres, ou seria três homens para vinte escaleres(?), bem, uma dessas era de certeza.
Fomos salvos do mar por uma traineira que alí passava e que nos largou na Ericeira, mas tivemos de fazer o resto da viagem a nado.
Ainda tentei convencer o Mestre, mas foi inamovivel, a nado que vos faz bem, disse.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Capitão de Longo Curso


Pois aqui inicio a narrativa das minhas viagens pelos mares do sul ( do oeste e do este também), a bordo dos mais velhos cargueiros de que há memória.