segunda-feira, 11 de abril de 2016

A Combinação


Ainda não me tinha refeito da ultima das tragédias, que no meu caso são, habitualmente, marítimas, e já me via envolvido noutra, sendo que cada uma me vai deixando mais agastado e desgostoso com a minha difícil vida de marinheiro.
Pois convidei uma senhora de virtude, obviamente sem o conhecimento de Madame Aragão, para umas quantas brincadeiras no meu cargueiro, que estava ele amarrado e tranquilo ao cais da Ribeira Velha, num dos portos por onde costumo fazer cabotagem.
Tudo corria pelo melhor, com brincadeiras assaz acrobáticas e divertidas,  sem aditivamento, o que muito me orgulhava, quando nos lembramos de tomar um chá na cozinha do cargueiro, sendo que tive o cuidado prévio de dispensar o cozinheiro, para maior recato e tranquilidade.
Ao acender o fogão, por problema que ainda não identifiquei,  deflagrou-se um violento, mas não descontrolado, incêndio.
Embora controlado e localizado, não deixou de assustar e, sobretudo, incendiar a combinação da minha companheira de ocasião.
A senhora de virtude entrou em pânico e vá de fugir de forma descontrolada pelo convés, soltando gritos estridentes e altos, que chamaram a atenção a tudo que era estivador que aquela hora por ali estava.

A dama fugia histérica, com a combinação ligeiramente chamuscada, nada mais que isso, pelo portaló e pelo cais e não havia discurso ou palavras que a chamassem à calma e à razão.

Azar dos Távoras, passava àquela hora e naquele local, a brigada de costumes da PSP que, perante aquele espectáculo, deteve a dama de virtude e de seguida, como ela contasse tudo o que tinha acontecido, entrou a bordo e me deteve a mim.

Bem argumentei que era o capitão e que estava numa propriedade privada, que a senhora estava mais assustada que chamuscada, de nada me adiantou. A imagem da dama, em combinação, aos gritos pelo cais, foi determinante, tudo para a esquadra.

Já me via em trabalhos maiores, pois o armador era um tipo conservador, daqueles que ia à missa todos os domingos, quando me cruzei, à entrada da esquadra, com o mestre Tobias que tinha ido levar uma caldeirada de lulas ao sub chefe, de quem ainda era parente.

Cheguei de imediato à fala com o Mestre, pois a minha delicada situação assim o exigia, apertado pela ideia do conhecimento do escândalo pelo armador e, não menos grave, pela Madame Aragão, mulher tão estimada como de fígados biliosos e possuidora de não negligenciável  força física, capaz de me por com a cara à banda com a maior das facilidades.

Bem, o Mestre Tobias dispôs-se  a ajudar-me e falar com o sub chefe, ainda seu parente, mas tive de lhe prometer entregar uma parte substancial da minha reserva Douro Papa Figos 2011, que tinha guardada para uma doença.

Desta ainda me safei, embora com custos elevados e com a minha reputação de homem austero posta em causa. Os estivadores passaram a olhar-me de lado e o armador, talvez avisado por alguém mal, por certo mal intencionado, começou a fazer me perguntas fora do contexto que a muito custo conseguia desviar para outros assuntos.