sexta-feira, 24 de junho de 2011

O meu navio é maior que o teu

O episódio da minha saga marinheira que agora vos conto passou-se há alguns anos numa viagem ao outro lado do mundo, a Melbourne na Austrália.
A viagem foi atribulada, sem história portanto, com  vendilhões de quincalharia no Suez, dois tufões de força 6 no Mar Vermelho, um ataque de piratas na Somália, um concerto do Tony Carreira no golfo de Bengala e uma praga de gafanhotos ao Sul da Taprobana (Ceilão).
Levava o meu velho cargueiro umas toneladas valentes  de azeitonas pretas bical-galega, as preferidas dos aborigenes, minhas preferidas também e do filho da mãe do cozinheiro, que mas ia comendo todas.
Chegados a Melbourne e solicitado o prático para a entrada no porto, fizemos as ultimas milhas na maior das calmas.
Questionou-me a autoridade maritima local do comprimento do navio e, para salvaguardar, erradamente, os interesses do armador, dei o comprimento de 80 metros quando, na verdade, eram 82,50 metros que eu envergava. Pagava-se menos e algum lucrito extra acabaria por sobrar para mim.
O broche foi que aqueles camelos decidiram, daquela vez,  medir o meu cargueiro e deram conta dos 2 metritos que ele tinha a mais do que eu tinha declarado.
Ainda lhes disse que já sabia que eram 82,50 metros, mas como o meu inglês não era dos melhores e 80 metros era um numero redondo, achava  eu que seria mais fácil para o funcionário escrever apenas 80 metros.
Nem imaginam os meus amigos o rigor daqueles estrangeiros. Deram-me ordem de prisão e de nada valeu argumentar as más notas que no Liceu a Zeca Fonseca  me deu a geometria, cadeia  com ele, neste caso eu, sem remissão.
A sorte foi que, ao ser levado para a xoldra, o bófia de serviço tinha um amigo do peito e, quem era esse amigo? O Mestre Tobias, patrão de uma traineira de pesca de sardinha, que por acaso estava na Austrália para visitar uma sobrinha, Veronique de sua graça, por parte da mãe, que por parte do pai era Poeftscher, dos Poeftscher de Hamburgo.
Pois o mestre Tobias safou-me, ficando-me no entanto cara a safadela, pois tive de lhe dar o ultimo garrafão que tinha a bordo de uma aguardente de ervas galega, optima para doenças várias, principalmente unhas encravadas e espondilose, para além de uns coiratos e sarrabulhos que tinha reservados para uma doença grave.

domingo, 19 de junho de 2011

A minha passagem pela Marinha de Guerra

Não pensem os meus Amigos que a formação contínua e  o continuo aperfeiçoamento não fazem parte das minhas preocupações.
Desse modo aqui há uns  anos frequentei  um curso de reciclagem de navegação, na Escola  de Vila Franca, um pouco a montante do Mar da Palha que, como é genericamente sabido, é tenebroso.
Como Capitão de Longo Curso almoçava com regularidade na messe dos oficiais, convidado pelo monitor do curso que frequentava, nos intervalos das aulas.
À mesa os meus colegas e o professor bebiam sistemáticamente água, muitas vezes com boas pomadas a acompanhar os petiscos que nos serviam.
Oriundo da Marinha Mercante imaginei que seria um hábito da Marinha das Fragatas e dos Couraçados e, por isso, nada retorqui e, igorando o (mau) hábito dos meus comensais, continuei a pedir o meu habitual tinto.
Na primeira quinta feira, dia da Marinha, fui convidado para almoçar com o Almirante comandante da Escola.
Como convidado e Lobo do Mar, sentaram-me à frente do Almirante, tendo ao meu lado direito o Imediato e à esquerda o Oficial mais graduado.
Naturalmente seria sempre o primeiro a ser servido, o imediato o penultimo e o Almirante comandante da escola o último.
Na  Marinha é assim.
Assim, logo na primeira abordagem, aproxima-se de mim o grumete de serviço e pergunta-me:
--Senhor Comandante, o que deseja beber ??
Pergunta dificil, o tinto era de estalo, mas tradição é tradição, o ambiente era formal, não queria de forma alguma destoar na tradição.
Cheio de peito atirei:
--Água por favor...
--Oh senhor Capitão, água!!?? o senhor vai beber água com as favas com presunto que temos para o almoço ?
Dupla ironia, primeiro o peito com que pedi água era imenso, não permitia recuo, por outro, o Almirante tratou-me por Capitão e sempre me disseram  que na Armada Capitão era o limpa retretes.
Mas aguentei a pancada, pedi água, beberia água.
E aqueles 'camelos' beberam um Dão de 81 de estalo, que me deixaria deprimido durante meses, cotejado com a água do Luso que eu bebia, não fora o mestre Tobias, o da traineira, que estava alí a fazer um curso de reciclagem de pesca de borbas marrecos e que por acaso passava pelo Almirantado e, vendo-me em transe profundo me deu, à sorrelfa e em inteira clandestinidade, um cantil cheinho de Douro do Pinhão, que ele tinha guardado para uma doença e que, por troca de favores manhosos, de que constava o fornecimento de quantidades imensas de tinto do meu cargueiro, alí mesmo me passou.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

História Tragico Maritima (parte 1)

Ao fim de longos e penosos anos de afastamento, aqui me têm, queridos amigos, numa estória mais, maritima e tragica, só não mais trágica, porque um dos meus personagens, o Mestre Tobias, de traineira, estava por perto e nos safou, embora com custos e algum proveito.

Confiou-me um armador uma belíssima escuna de dois mastros para levar a Valada que, como se sabe, é para lá de Sol Posto, mais ou menos entre Seca e Meca e Vale de Santarém, um tudo nada antes de chegar a Alhandra.
Tinha a minha bela escuna, bem, minha minha não, mas a mim confiada, à volta de 22 metros de calado aéreo, da água ao  mastaréu. Nada que dificultasse a viagem até ao destino que tinham contratado.
A minha tripulação, essa era uma merdaça, uma porra. Contratei um imediato que tinha saído da escola cavilhense, que, como se sabe, a seguir à universidade de coimbra, é das piores escolas do mundo, quiçá mesmo das piores de Portugal.
E essa escolha foi-me fatal.
Imaginem os meus amigos que ao chegar à ponte de Vila Franca perguntei ao meu imediato:
-- Sr Hortas (era o meu imediato) dá para passar debaixo da ponte?
--Sr Comandante Vasco (era eu), claro, pelo método dos elementos finitos e aplicando a equação de Karnot conjugada com  o Teorema de Bolzano Weisstrass (de encaixe de intervalos) temos uma folga de, mais ou menos,  15 metros.
Desconfiei daquele intervalo de (des)confiança, mas com a prosápia do imediato Hortas, avancei a todo o pano, que por acaso não era assim tanto, pela cale arriba e, sem o que o mais ínfimo pressentimento o fizesse sentir, abalroamos a ponte, os mastros cairam à agua, a ponte titubeou e a escuna sossobrou.
Nadamos então até uma ilhota alí ao pé e fomos atacados por uma manada desenfreada de toiros e, não fora o mestre Tobias que por alí passava à pesca dos achegãs na sua trianeira, que nos tirou das águas e das ilhas, hoje estariamos transformados em picadinho, ou mesmo em fricassé.
Para além do protesto que tive de lavrar, custou-me o erro do imediato senhor Hortas uma quarta parte da garrafeira da escuna mais uns rojõesinhos que tinha guardados para a merenda.
Moral da estória, nunca confiem num graduado da escola cavilhense ou da de coimbra, ou, como diz o povo, vale mais um de tarimba que cinco de coimbra.