quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma entrada atribulada...




Esta que agora vou contar enche-me de saudade e, ao mesmo tempo, de raiva pelo desfecho, inesperado e quase trágico.
Regressava, em cabotagem, do Douro, com o cargueiro Neptuno, carregado de vinho da Quinta La Rose, de estalo, carregadinho, com rumo a Aveiro, onde o néctar seria transfegado para um graneleiro russo, com destino para aí à Crimeia, ou algo parecido.
O Mar esse estava quilhado, uma nortada rija de Sul levantava vagas de, para aí 5 metros, 2,80 m vá, desencontradas, enxogalhando o navio, o vinho e os nossos estômagos.
Nem a merenda nos soube, uns enchidos de Montalegre que acompanhavam, clandestinamente, uns litritos da carga, que ninguém daria pela sua falta.
A um escassa milha da barra de Aveiro recebemos a seguinte comunicação rádio:
--Aqui Navio da Républica Portuguesa Alvares Cabral, cargueiro a Norte e aproximando-se da barra de Aveiro,  identifique-se.
Era a nossa fragata Alvares Cabral. Estas coisas, da Marinha, inchavam-me o peito.  Estava fundeada a três ou quatro milhas ao largo, Mar Adentro. Chego-me ao VHF.
-- Neptuno a responder, capitão Vasco Moscoso de Aragão,  estamos carregados de vinho nos porões e dirigimo-nos para o Porto de Aveiro.
-- Aqui NRP Alvares Cabral, Neptuno guine a Bombordo.
Eh pá os gajos estão a gozar connosco, se guino a bombordo encalho na praia de São Jacinto. Vou falar com eles
-- Aqui graneleiro Neptuno, não sei se já viram mas, se guino a bombordo,  encalho em São Jacinto….
-- Aqui NRP Alvares Cabral, então passe por nosso estibordo.
Phoenix, os gajos da fragata estão a quatro milhas mar adentro, se lá vamos são mais duas  a três horas com mar quilhado, estando só a 15 minutos da barra. Vou ligar-lhes.
-- Aqui graneleiro Neptuno, eh pá, deixem nos entrar pá, está um mar lixado pá, são dez  da noite pá, queremos ir dormir pá,...
-- Aqui NRP Alvares Cabral, não podem, estamos em exercícios militares e o céu da barra está cheio de helicoteros.
Helicopteros ? ás 10 da noite? Não vejo nenhum. Que se lixe, vamos entrar.
Mandei o imediato Bolha pôr  máquina a toda a força e lá fomos nós, naquela altura a meia milha da barra.
Quem não achou piada nenhuma foi o NRP Alvares Cabral que ameaçou abrir fogo contra o Neptuno e, assim, destruir a preciosa carga que transportávamos, coisa que não podia, de forma nenhuma permitir. Mil vezes a morte que tal sorte (onde já li isto ?), mandar para o sal das ondas do nosso mar uma muito preciosa carga de tinto La Rose.
Sorte nossa, à pesca à bóia no molhe norte da barra de Aveiro, estava o Mestre Tobias, que estava feliz pois já tinha apanhado para aí um quarteirão de robalos e douradas. Munido como sempre do seu VHF portátil e tendo ouvido a conversa entre o Neptuno e o NRP Alvares Cabral,  chamou o comandante da fragata e disse-lhe  ser nosso amigo e conhecido.
O comandante do NRP Alvares Cabral condescendeu e deixou-nos entrar, não sem antes recomendar que tivéssemos cuidado com os helicópteros.


Na amarração lá estava o Tobias a cobrar o serviço. Desta vez ficou só por quinze garrafões  do La Rose e vinte quilos de enchidos de Montalegre, os melhores. Mas antes isso que perder toda a carga ingloriamente.

1 comentário:

Jackie Goulart disse...

Impagável! Muito bom, Capitão! Rindo muito aqui!