segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os bordos no Sado



Por vezes, muito raras, fazia umas saídas de recreio, por esses mares e estuários fora. 
Seriam momentos diferentes dos profissionais, nas pontes dos velhos cargueiros, em rotas de longo curso ou, por vezes, de cabotagem, quando os armadores a isso me obrigavam.
Numa dessas alturas de recreio, a recomendação de uma 'senhora de virtude' (*) fui fazer uns bordos num veleiro de um amigo, ao largo de Tróia, até Sesimbra, em aguas que conhecia bem das viagens até Setúbal nos cargueiros que lá iam buscar sal e papel.
O veleiro era dos modernos, retranca baixa e larga, armava em sloop e fazia quase tantos nós como os velhos cargueiros em que eu trabalhava. (Na verdade até andava mais, mas não é muito lisonjeiro para os meus armadores falar disso aqui)
Num dos bordos, violento, o meu amigo levou uma retrancada no nariz que o partiu e lhe provocou forte hemorragia. 
O convés rapidamente ficou cheio de sangue e só me restou como  alternativa  fundear rapidamente e solicitar ajuda a uma pequena lancha que passava para levar o meu amigo ao hospital de Setúbal. 
Naturalmente segui com ele, alguma coisa podia ser precisa e ele, a sangrar daquela maneira, não estava em condições de se auto ajudar.
E lá fomos, rápidos, na lancha até à doca das Fontainhas e de lá, de taxi, para o hospital.
O drama é que, tendo ficado o veleiro fundeado, sem ninguém e cheio de sangue, depressa foi encontrado por pescadores que, vendo-o 'abandonado' e cheio de sangue, chamaram  a Judiciária, a Marítima e a Republicana.
Algumas horas depois, engessado o nariz do meu amigo, regressamos ao veleiro, que estava repleto de policias, lupa em punho, à procura do assassino e do assassinado.
De nada valeu a nossa explicação, fui algemado como principal suspeito do crime e nem o meu amigo testemunhar que o sangue era dele me valeu.
Algemado segui para os calabouços da Judiciária, sem apelo nem fiança.
Valeu-me o Mestre Tobias, o da traineira, que estava na Judiciaria a visitar um primo inspector. Afiançou que eu era boa rês e, embora a custo,  lá fui solto.
Claro que o Mestre Tobias fez me logo a factura e a brincadeira custou-me umas sainhas de torresmos que tinha guardado para a merenda e duas garrafinhas Papa Figos para acompanhar.

(*) Nota do autor: Senhora de Virtude não é, como as vossas mentes perversas já começaram a imaginar, uma dama de moral mais duvidosa, antes uma adivinha, uma cartomante, uma espirita, uma bruxa vá. 
Grandes figuras da nossa terra tem contactos com mulheres de virtude, não vejo razão de censura  para que eu o não  possa fazer.

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