domingo, 7 de janeiro de 2018

A Ciência



Depois de alguns meses em casa, desembarcado, um amigo convidou-me a assumir o comando do MEXILHÃO, o navio de investigação oceanográfica do estado, que fazia viagens com professores   das universidades e uns quantos mais assistentes, viagens essas pouco mais que costeiras.
Não era bem a minha vocação, sou Capitão de Longo Curso, mas já me roía o bichinho do Mar e dois longos meses de amarração ao cais cá de casa já me traziam enjoado e com necessidade de tomar calmantes para dormir, já me fazia saudade o ronronar da máquina à noite, as ordens descompassadas dos meus imediatos, os petiscos do 1º de cozinha e as alabardisses do Mestre Tobias.
Aceitei, colocando como condição a escolha da tripulação mais directa, o imediato o sr Bolha e o cozinheiro o sr Jonas.

No dia aprazado, umas horas antes da  ETD acordada, fui ao portaló receber o corpo docente e investigante.
Nada mais nada menos que sete catedráticas de oceanografia das universidades de Aveiro e de Faro, tudo cachopas bem apresentadas, diria mesmo, muito bem apresentadas, que vinham carregadas de livros, máquinas fotográficas, equipamentos de mergulho, GOPROs, garrafas de ar, moleskines pretos, e, deduzo, alguma roupinha interior para mudar de quando em vez.
De comida e bebida para a viagem, nada a anotar. Mau, desconfiei, vamos ter de repartir a maior parte das vezes a merenda com as meninas. Mas pronto, a bem da ciência, iniciei os preparativos para largar.

A chefe da equipe das assistentes universitárias  veio falar comigo à ponte, estávamos a ultimar os preparativos para a largada, e perguntou-me como estaria a meteorologia nos próximos dias.
-Srª Doutora, muito agradável, ventos do quadrante norte de força 3 e mar bonançoso de 2 metros.
-2 metros comandante? Qualquer coisa como 2000 mm ?
-Sim srª doutora, 2 metrínhos.
-Não comandante, 2000 mm é muito milímetro, vamos aguardar aqui no porto, bem amarrados ao cais, que a minha equipe não se dá com ondas acima de, para aí, 1000 mm, 1020 mm vá.

Bem, as meninas é que mandavam, encomendei um bacalhauzinho assado num restaurante aqui perto, para mim e para o imediato, mais duas caixas de PapaFigos 2011, pelo sim pelo não, e recolhi à minha camarinha aguardando ordens.

Cinco dias depois, como a meteorologia tivesses melhorado substancialmente, o Mar baixou para 0,5 metros e o vento caiu sem se saber para onde, a doutora autorizou, finalmente, que saíssemos para o Mar, com rumo a um baixio que dista longas 3 milhas do porto, e onde era hábito serem avistados caranguejos marrecos, alvo da investigação da equipe embarcada.

A navegação foi calma, também outra coisa não era de esperar, o baixio ficava na baía de São Jacinto, na Ria de Aveiro, em águas interiores, a curta distancia, felizmente, do restaurante Terminal, afamado pelas suas espetadas de gambas e pelo seu robalo escalado.
Fundeamos alguns metros a sul do baixio e as professoras   iniciaram o seu trabalho, contando as ovas dos caranguejos marrecos que apanhavam com os camaroeiros e anotando, com rigor cientifico, quantas braçadas eles davam para a direita seguidas das braçadas para a esquerda. Enfim, subtilezas do pensamento cientifico que escapam ao entendimento de um velho capitão de longo curso como eu.
Pouco depois a doutora chefe da equipe veio-me pedir para nos aproximarmos mais do baixio.
Bem, esse baixio era de muito má memória para mim e para o imediato sr Bolha pois, há uns anos, tínhamos já lá encalhado com avaria na sanita, tendo sido necessário aliviar carga, retirando todo o merdelim da dita sanita para safarmos o navio, de tal forma que, no fim da operação e apesar de nos termos safado, o merdelim estava por tudo quanto era sítio no navio, incluindo no cabelo dos membros da infortunada  tripulação.
Declinei assim o convite/ordem, com a descrição, rápida, do meu infortúnio naquele baixio e dos riscos que corríamos se para lá nos dirigíssemos.
Mas a doutora foi inflexível, tinham lhe dito que alí encontraríamos uma espécie de caranguejo marreco mais rara e tive de suspender, aproximando o MEXILHÃO, com cuidados redobrados, do fatídico baixio, situado à entrada da baía de São Jacinto.

E, como eu previra, tocamos no fundo.
O Mexilhão estremeceu, roçando no fundo lodoso da laguna, provocando o pânico nas investigadoras e incitando o meu imediato sr Bolha a pegar no megafone e gritar impante e sem necessidade "MULHERES E CRIANÇAS PRIMEIRO"
Claro que o mandei calar, mas já era tarde.
Ali perto, à pesca de carapaus para iscar ao robalo, estava o mestre Tobias na sua pequena lancha.
O Mestre Tobias, vendo as meninas em pânico e aos gritos, veio buscá-las para as conduzir a terra, três a três, em sucessivas viagens, apesar de lhes dizer, às meninas e ao mestre Tobias, que nos safaríamos na próxima maré.
A cara de gozo do mestre Tobias era evidente, para além das garrafeiras e dos presuntos e dos queijos, agora ficava-me com as passageiras.

Passei uma rabecada ao imediato, sr Bolha e lavrei em acta no Diário de Bordo o sucedido.

Valeu-nos as garrafas suplementares de Papafigos 2011 que tinha embarcado em Aveiro e os robalos escalados que mandei  vir do Restaurante Terminal numa das viagens do Mestre Tobias.
Phoenix.





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