Para receber uma carga de Alvarinho em Viana, uns bons hectolitros dele, e o transportar no meu graneleiro até Casablanca, desloquei-me com a minha tripulação à linda cidade minhota, aproveitando para degustar um robalinho cozido na Mariana, um dos melhores restaurantes do Universo, quiçá mesmo um dos melhores restaurantes de Viana do Castelo.
Um dos fregueses habituais do Mariana era Jorge Amado, escritor brasileiro com família por aqueles lados e que, por um
acaso do destino, lá estava na sua mesa ao canto.
Conhecedor da fama de grande marinheiro que me precedia,
Jorge fez questão de me conhecer e almoçar comigo.
Ficou contente de ouvir a minha história, fartou-se
tomar notas das minhas aventuras, dos meus naufrágios, dos meus ataques de
piratas e, sobretudo, do episódio em que amarrei o cargueiro onde navegava à
época com todas as amarras disponíveis, numa arribada a um porto asiático. Nessa
noite gozaram comigo como se não houvesse amanhã mas, quando um tufão nos atingiu e só o meu cargueiro não soçobrou, viram todos quão grande
marinheiro eu era, e sou.
O Jorge adorou a estória e prometeu escrever a minha
biografia.
Largamos de Viana de manhã cedinho com Mar de azeite,
proa a Sul e uns dez nós de velocidade de cruzeiro, o que representava pouco
mais de metade da capacidade do Neptuno, o meu graneleiro lindo, carregadinho
de branco Alvarinho, delicioso.
Por volta de Vila do Conde ouvimos no rádio um pungente
pedido de socorro, um May Day sofrido, que passo a reproduzir:
May Day May Day May Day, Mãe Puríssima Mãe Puríssima Mãe Puríssima,
Posição ... (perdoem-me de aqui não a divulgar) agua aberta, nove pessoas a bordo, duas com pernas partidas, uma com um
panarício e outra com uma unha encravada, pedimos assistência urgente.
O Mãe Puríssima estava na nossa proa, pelo que iniciei de
imediato as manobras para chegar rapidamente à embarcação em perigo.
Pego no rádio e transmito:
-Aqui NEPTUNO, graneleiro português na vossa rota, tenham
calma, já vamos a caminho.
Mas ouvimos no rádio de seguida:
-Aqui Centro de Busca e Salvamento de Vila do Conde, já
temos em vosso auxilio duas corvetas, um
helicóptero, um pneumático e o banheiro de Vila do Conde que insistiu em participar e vai a nado..
Mas o Mãe Puríssima insistiu:
-May Day May Day, Temos apenas duas horas antes
de naufragar, um dos panarícios piorou, a unha encravada caiu e eu
estou cheio de sede (era o Mestre que falava)
Chamei o imediato, a situação era deveras grave, mandei
pôr a máquina a toda a força.
E no rádio disse de seguida:
-Pessoal, tenham calma,
dentro de meia hora, talvez menos, estamos aí.
Espanto, no rádio ouviu se então:
-Aqui Centro de Busca e Salvamento de Vila do Conde, isto é
um simulacro, sigam o vosso caminho.
Filhos da puta bradei, então isto é assim? Não avisam,
não dizem nada a ninguém e dão me cabo do coração com estas merdas?!!!
Pego no rádio e começo a insultá-los, evoquei um Silence May Day, chamei-lhe aldrabões,
chuis, funcionários de partido politico, azeiteiros e, pior, membros do
governo.
Esta os tipos não gostaram e enviaram contra o meu
graneleiro uma das corvetas e o banheiro de Vila do Conde que continuava a nado
atrás da corveta.
Ordem de prisão que, na Marinha Portuguesa, é uma coisa
séria e eis nos sob escolta obrigados a rumar a Leça, que o Neptuno não entrava
em Vila do Conde.
Íamos todos ficar nos calabouços da Capitania, não fosse
o Mestre da Mãe Puríssima ser o Tobias, que participava no simulacro e era amicíssimo
do Almirante que coordenava as
operações.
Safou-nos então o Mestre Tobias, mas a brincadeira custou-me boa parte da carga do Alvarinho que transportava e toda a reserva de papas de
sarrabulho que adquirira em Ponte de Lima no restaurante Encanada e que
guardava religiosamente para a merenda.
1 comentário:
Sem comentários. :D :D :D :D
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