Esta que agora vou contar enche-me de saudade e, ao mesmo
tempo, de raiva pelo desfecho, inesperado e quase trágico.
Regressava, em cabotagem, do Douro, com o cargueiro Neptuno,
carregado de vinho da Quinta La Rose, de estalo, carregadinho, com rumo a
Aveiro, onde o néctar seria transfegado para um graneleiro russo, com destino para
aí à Crimeia, ou algo parecido.
O Mar esse estava quilhado, uma nortada rija de Sul
levantava vagas de, para aí 5 metros, 2,80 m vá, desencontradas, enxogalhando o
navio, o vinho e os nossos estômagos.
Nem a merenda nos soube, uns enchidos de Montalegre que acompanhavam,
clandestinamente, uns litritos da carga, que ninguém daria pela sua falta.
A um escassa milha da barra de Aveiro recebemos a seguinte comunicação
rádio:
--Aqui Navio da Républica Portuguesa Alvares Cabral,
cargueiro a Norte e aproximando-se da barra de Aveiro, identifique-se.
Era a nossa fragata Alvares Cabral. Estas coisas, da Marinha, inchavam-me o peito. Estava fundeada
a três ou quatro milhas ao largo, Mar Adentro. Chego-me ao VHF.
-- Neptuno a responder, capitão Vasco Moscoso de Aragão, estamos carregados de vinho nos porões e
dirigimo-nos para o Porto de Aveiro.
-- Aqui NRP Alvares Cabral, Neptuno guine a Bombordo.
Eh pá os gajos estão a gozar connosco, se guino a bombordo
encalho na praia de São Jacinto. Vou falar com eles
-- Aqui graneleiro Neptuno, não sei se já viram mas, se
guino a bombordo, encalho em São Jacinto….
-- Aqui NRP Alvares Cabral, então passe por nosso
estibordo.
Phoenix, os gajos da fragata estão a quatro milhas mar
adentro, se lá vamos são mais duas a três horas com mar quilhado, estando só a 15
minutos da barra. Vou ligar-lhes.
-- Aqui graneleiro Neptuno, eh pá, deixem nos entrar pá,
está um mar lixado pá, são dez da noite pá,
queremos ir dormir pá,...
-- Aqui NRP Alvares Cabral, não podem, estamos em exercícios militares
e o céu da barra está cheio de helicoteros.
Helicopteros ? ás 10 da noite? Não vejo nenhum. Que se lixe,
vamos entrar.
Mandei o imediato Bolha pôr
máquina a toda a força e lá fomos nós, naquela altura a meia milha da
barra.
Quem não achou piada nenhuma foi o NRP Alvares Cabral que
ameaçou abrir fogo contra o Neptuno e, assim, destruir a preciosa carga que transportávamos,
coisa que não podia, de forma nenhuma permitir. Mil vezes a morte que tal sorte
(onde já li isto ?), mandar para o sal das ondas do nosso mar uma muito
preciosa carga de tinto La Rose.
Sorte nossa, à pesca à bóia no molhe norte da barra de
Aveiro, estava o Mestre Tobias, que estava feliz pois já tinha apanhado para aí
um quarteirão de robalos e douradas. Munido como sempre do seu VHF portátil e tendo ouvido a conversa entre o Neptuno e o NRP Alvares Cabral, chamou o comandante
da fragata e disse-lhe ser nosso amigo e conhecido.
O comandante do NRP Alvares Cabral condescendeu e deixou-nos
entrar, não sem antes recomendar que tivéssemos cuidado com os helicópteros.
Na amarração lá estava o Tobias a cobrar o serviço. Desta
vez ficou só por quinze garrafões do La
Rose e vinte quilos de enchidos de Montalegre, os melhores. Mas antes isso que
perder toda a carga ingloriamente.
1 comentário:
Impagável! Muito bom, Capitão! Rindo muito aqui!
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