Nem só de grandes cargueiros foi feita a minha carreira de marinheiro. Ainda na Escola Náutica praticava, embora não amiúde, alguns desportos ligados ao meio hídrico, remo e canoagem, tinha dias.
Uma altura houve em que as
irreverencias da juventude me levavam para o Mar, ao fim da tarde, num K2 feito
por mim, junto com um amigo e, entrando na praia, saíamos para o largo umas
boas 2 ou três milhas, a pagaiar entre as ondas, inconscientes aos perigos a
que nos expúnhamos, pela força das correntes e dos ventos que, por vezes, nos
arrastavam mais para o largo do que nós pretendíamos.
Duma dessas vezes fomos acompanhados
por um amigo que, nesses anos, andava no seminário a dar razão a uma intensa
vocação mística e que se tornaria depois num eminente padre católico, pároco de
uma freguesia da Figueira da Foz, o Jeremim Barreiros, latinista de primeira
linha e autor de inúmeros estudos teológicos que ainda o guindarão ao bispado,
quiçá mesmo ao arcebispado.
O Jeremim seguia num K1 do seminário
e eu e o Rogério no nosso K2 habitual.
Levanta-se então forte temporal com
vento rijo de SW e trovões e relâmpagos de arrepiar.
--Porra merda que isto está fodido,
digo eu algo amedontrado.
--Não digas palavrões Vasco,
atira-me o Jeremim, se eu fossa a Deus mandava já um raio que te fulminava “Ad
Raius asneirolas mandaris”
--Vai te catar Jeremim, vai apanhar
nos entrefolhos caralho, pagaia e cala-te, dizia o Rogério a pagaiar como se
não houvesse amanhã para escapar à tempestade e chegar a terra.
--Rogério, põe tento nessa língua
irmão, se eu fosse a Deus mandava já um raio que te fulminava ”fulminarae
rapidus caralhadis dixit deo”
Nisto ouve-se um trovão descomunal, um raio cai dos céus e
fulmina o Jeremim, que ia mesmo ao nosso lado.
Uma voz rouca, tonitruante e muito forte
entoa então dos céus e diz: “FODA-SE
FALHEI…”
O Grande Arquitecto disse de sua
justiça, apontou para mim e para o Rogério mas acertou no Jeremim que, feliz e
prontamente assistido, recuperou do choque eléctrico divino.
Quem nos assistiu foi o Mestre
Tobias que andava à pesca do robalo na rebentação junto à praia e vendo o nosso
colega chamuscado, o recolheu e transportou ao Hospital.
Tivemos de lhe dar umas garrafitas
que tínhamos para a merenda, mas valeu, salvou a vida ao Jeremim que prosseguiu
a sua carreira eclesiástica, brilhante, diga-se..
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