segunda-feira, 4 de maio de 2015

Canoagem



Nem só de grandes cargueiros foi feita a minha carreira de marinheiro. Ainda na Escola Náutica praticava, embora não amiúde, alguns desportos ligados ao meio hídrico, remo e canoagem, tinha dias.

Uma altura houve em que as irreverencias da juventude me levavam para o Mar, ao fim da tarde, num K2 feito por mim, junto com um amigo  e, entrando na praia, saíamos para o largo umas boas 2 ou três milhas, a pagaiar entre as ondas, inconscientes aos perigos a que nos expúnhamos, pela força das correntes e dos ventos que, por vezes, nos arrastavam mais para o largo do que nós pretendíamos.

Duma dessas vezes fomos acompanhados por um amigo que, nesses anos, andava no seminário a dar razão a uma intensa vocação mística e que se tornaria depois num eminente padre católico, pároco de uma freguesia da Figueira da Foz, o Jeremim Barreiros, latinista de primeira linha e autor de inúmeros estudos teológicos que ainda o guindarão ao bispado, quiçá mesmo ao arcebispado.

O Jeremim seguia num K1 do seminário e eu e o Rogério no nosso K2 habitual.
Levanta-se então forte temporal com vento rijo de SW e trovões e relâmpagos de arrepiar.
--Porra merda que isto está fodido, digo eu algo amedontrado.
--Não digas palavrões Vasco, atira-me o Jeremim, se eu fossa a Deus mandava já um raio que te fulminava “Ad Raius asneirolas mandaris”
--Vai te catar Jeremim, vai apanhar nos entrefolhos caralho, pagaia e cala-te, dizia o Rogério a pagaiar como se não houvesse amanhã para escapar à tempestade e chegar a terra.
--Rogério, põe tento nessa língua irmão, se eu fosse a Deus mandava já um raio que te fulminava ”fulminarae rapidus caralhadis dixit deo”
Nisto ouve-se  um trovão descomunal, um raio cai dos céus e fulmina o Jeremim, que ia mesmo ao nosso lado.
Uma voz rouca, tonitruante  e muito forte  entoa então dos céus e diz: “FODA-SE FALHEI…”

O Grande Arquitecto disse de sua justiça, apontou para mim e para o Rogério mas  acertou no Jeremim que, feliz e prontamente assistido, recuperou do choque eléctrico divino.
Quem nos assistiu foi o Mestre Tobias que andava à pesca do robalo na rebentação junto à praia e vendo o nosso colega chamuscado, o recolheu e transportou ao Hospital.
Tivemos de lhe dar umas garrafitas que tínhamos para a merenda, mas valeu, salvou a vida ao Jeremim que prosseguiu a sua carreira eclesiástica, brilhante, diga-se..